domingo, 7 de fevereiro de 2010

A Tributação do sal na Índia – alguns apontamentos.

Introdução

O controle e tributação do sal, na Índia, na verdade é muito antigo. Contudo, passou a ser cada vez maior a partir do estabelecimento das Cia. Britânica das Índias Orientais e seu domínio gradativo sobre as províncias hindus. Em 1835, foram instituídos impostos especiais sobre o produto para facilitar a sua importação, o que gerou enormes lucros à Cia. Quando, porém, o governo britânico assumiu a administração da Índia, em 1858, os impostos não foram revogados, pelo contrário, se tornaram ainda mais rigorosos, o que gerou protestos veementes do povo indiano. Em 1885, na primeira sessão do Congresso Nacional Indiano (Bombaim); o problema foi levantado por um dos mais importantes líderes, S. Iyer. Contudo, os protestos diminuíram no final do século XIX e início do XX, quando ocorreu a grande Marcha do Sal, também conhecida como Satyagraha do sal (a palavra Satyagraha significa aproximadamente “firmeza da verdade”), promovida por Ghandi em 1930, a qual foi repetida em outras partes do país. O governante Rajagopalachari descumpriu neste mesmo ano as Leis do Sal, na região de Vedaranyam. Milhares foram condenados à prisão, dos quais muitos foram efetivamente presos. O governo finalmente cedeu e convidou Mahatma Gandhi para comparecer à segunda mesa redonda de negociações, na Inglaterra. O movimento promovido por Gandhi teve ampla cobertura jornalística, tonando-se um dos elementos mais importantes no processo de independência da Índia.
Apesar de tudo, o imposto sobre o sal, no entanto, continuou a permanecer em vigor e foi revogado somente quando Jawaharlal Neru se tornou Presidente do Governo Provisório, em 1946.

As regiões produtoras de sal na Índia e o domínio inglês

O sal é produzido ao longo de toda costa da Índia há, pelo menos 5.000 anos, sendo tributado por diversos povos ao longo de sua história. A produção é maior no oeste na região de Rann de Kutch, uma extensa baixada, que é cortada do resto do subcontinente indiano durante as monções, quando o mar a inunda as zonas baixas. Durante o verão, a água do mar evapora e deixa para trás uma crosta de sal, que se acumula e forma enormes salinas naturais. Os trabalhadores que recolhem o sal são chamados costumeiramente de malangis .
No leste, o sal pode ser obtido em grandes quantidades extensivamente ao longo da costa de Orissa, em minas khalaris, na região de Oriya, reconhecido como um dos melhores da Índia. A região de Bengala é uma das tradicionais consumidoras deste sal, e, quando o governo britânico assumiu o governo bengalês, percebeu o potencial deste negócio. Assim, aos poucos, foram monopolizando o sal de Orissa em toda Bengala; por fim, para evitar o contrabando e o transporte ilegal, eles enviaram os seus exércitos a Orissa, resultando na conquista da região em 1803.

A Tributação do sal pela Companhia Britânica das Índias Orientais

Em 1759, dois anos após a sua vitória na batalha de Plassey, a Cia. Passou a controlar a terra perto de Calcutá, onde era explorado o sal, e, para expandir seus lucros, dobraram a renda da terra e as taxas de trânsito impostas ao transporte de sal. Continuando sua expansão, em 1764, após a vitória na Batalha de Buxar, passaram a controlar todas as receitas de Bengala, Bihar e Orissa. O britânico Robert Clive se tornou Governador-Geral em 1765, tornou monopólio dos altos funcionários da Companhia a venda de tabaco, noz de betel, sal e outros produtos essenciais, além de especiarias e condimentos. Os contratos foram feitos para entregar as mercadorias aos depósitos de sal, nos quais os comerciantes então foram obrigados a comprar tudo de que precisassem. Os próprios ingleses reagiram, e as autoridades na Inglaterra declararam, em documento, o seguinte:
“Nós consideramos que é muito vergonhoso, e abaixo da dignidade da situação atual, a permissão de tal monopólio”.
A resposta Clive foi oferecer para a Cia. (não somente aos altos funcionários) uma enorme soma em libras, por ano, a partir dos lucros obtidos. Mas as autoridades inglesas não cederam, e pressionaram até obter o fim do monopólio do tabaco e noz de betel, em 1767, e do sal em 1768. Contudo, o então Governador-Geral Warren Hastings, em 1772 conseguiu trazer o controle do sal de volta para a Cia, com algumas mudanças nas regras. As foram arrendadas a fazendeiros, que entregavam o sal em uma taxa fixa para a Companhia. A empresa vendeu contratos de arrendamento pela melhor oferta, mas a corrupção corroeu o sistema criado, fazendo a receita com o comércio de sal decair vertiginosamente em 1780. Este problema, juntamente com a desumana a exploração dos trabalhadores (malangis) pelos proprietários, obrigaram Hastings a introduzir um novo sistema em 1780, no qual o controle do comércio voltava para o governo inglês. As minas foram divididas em Agências, controladas individualmente por um agente; tal sistema persistiu com pequenas modificações até a independência da Índia em 1947. De acordo com este novo sistema, o malangis vendia, diretamente, o sal para os agentes a um determinado preço. . Inicialmente, esse preço foi fixado em 2 rúpias por Maund (unidade medida de peso, equivalente a aproximadamente 600 g) com um imposto de 1,1 a 1,5 rúpias por Maund. Para os britânicos, o novo sistema foi um sucesso, visto que aumentou e muito o lucro com o sal já entre 1781 e 1782, e ampliando-se entre 1784-1785.
Contudo, de 1788 em diante, a empresa tomou a vender aos atacadistas, através de leilão. Este novo modo inserido pela Companhia das Índias Orientais fez com que o imposto aumentasse para 3,25 rúpias por Maund., bem como o preço de venda por grosso de sal aumentou de 1,25 rúpias para cerca de 4 rúpias por Maund. Tais aumentos se mostraram exorbitantes a ponto de poucos consumidores terem o privilégio de pagar pelo sal.
Em 184m durante a formação do império napoleônico, a Inglaterra consegiu consquistar a região de Orissa, estabelecendo imediatametne o monopólio do sal, dando, em troca, um adiantamento em dinheiro a cada malangi em troca da produção de sal. Na prática, o resultado foi o profundo endividamento dos trabalhadores e, pior, sua semi-escravidão. Os grandes proprietários da região, chamados de zamindars, que anteriormente controlavam o comércio do sal, ficaram estavam alarmados com a monopolização que resultou em uma perda súbita de rendimento; assim, tentaram estabelecer uma aliança com os malangis, para que não trabalhassem para os ingleses, mas sem sucesso.
. No início do século XIX, querendo tornar os impostos do sal ainda mais rentáveis e acabar com o contrabando, a Cia. Criou postos de fiscalização em toda Bengala, criando uma linha alfandegária, que era, na verdade, uma fronteira através da qual o transporte de sal foi “disciplinado”, para não escapar ao controle dos impostos aduaneiros. Na década de 1840, uma gigantesca cerca de espinhos foi erguida próximo às com fronteiras ocidentais da província de Bengala para evitar o contrabando de sal; a partir de 1857, a cerca foi ampliada a 2.500 milhas (cerca de 3750 k), ao longo da o longo da fronteira oriental da Índia e Orissa. Um documento da época traz a seguinte citação:
“Uma linha aduaneira foi estabelecida, que se estendia por toda a Índia, que em 1869 se estendia do Indo ao Mahanadi em Madras, uma distância de 2.300 milhas; era vigiada por cerca de 12.000 homens e pequenos oficiais [...] e consistia principalmente de uma cobertura imensa e impenetrável de árvores e arbustos espinhosos, complementados por uma muralha de pedra e valas, através da qual nenhum ser humano, animal de carga ou veículo poderia passar sem estar sujeito a detenção ou exame detalhado.

A Tributação do sal e o Raj britânico

As leis de tributação introduzidas pela Cia. continuaram vigorando durante o chamado Reino Britânico na Índia, que substitui a empresa no controle da região por noventa anos. A Índia também passou a ser conhecida como Índia Britânica ou Raj britânico (a palavra Raj significa “reino” em hindustâni (uma das muitas línguas faladas na Índia). A construção da cerca para impedir o contrabando de sal, iniciada durante o governo da Companhia, foi concluída durante este período As fontes indicam que, em 1858, 10% da receita da Índia britânica era oriundo de seu monopólio de sal; contudo, até o final do século XIX, o imposto sobre o sal foi consideravelmente reduzido. Apesar disso, em 1880 os rendimentos do produto foram ampliados a 7 milhões de libras. Durante. Em 1900 e 1905, a Índia foi um dos maiores produtores de sal do mundo, com uma produção de 1.021.426 toneladas e 1.212.600 toneladas respectivamente.
Nesse contexto, em 1923, sob o Vice-Reino de Mr. Reading, foi aprovada uma lei de duplicação do imposto do sal, mas uma proposta de novo aumento, em 1927, foi vetada.


As leis do sal

Como apontado, as primeiras leis para regulamentar o imposto sobre o sal foram feitas pela Cia. Britânica, não pelo governo. Já em 1835, o Governo nomeou uma comissão para rever o imposto, sendo recomendado que o tributo não atrapalhasse a venda do sal inglês. Assim, o sal foi importado a partir de Liverpool, o que causou o aumento das taxas do produto. Posteriormente, o governo decide estabelecer um monopólio sobre a fabricação de sal em lei própria e tornou a produção do sal um delito punível com seis meses de prisão. A comissão também recomendou que o sal indiano passasse a ser vendido em maunds de 100, porém, foi vendido em quantidades muito menores. Nesse período, o sal de Chesshire, do Reino Unido, era encontrado a preços bem menores, contudo, seu produto era de qualidade muito inferior ao da Índia, cujo sal continuou sendo comprado em enormes quantidades.
Em 1878, uma política fiscal uniforme sal foi adotada por toda a Índia, tanto a Índia britânica quanto os chamados “estados principescos”. Tanto a produção quanto a posse de sal foi considerada ilegal por esta política. O imposto sobre o sal em Bombaim, Madras, na Província Central e nos estados principescos ao sul da índia teve um significativo aumento, o mesmo ocorrendo na região norte, diminuindo apenas nas regiões de Bengala e Assam. O artigo 39 da lei do Sal de Bombaim lei equivalia aos artigos 16 e 17 da Lei do Sal Indiana, estabelecendo um preço oficial do sal, inferior ao que era produzido ilegalmente, para quebrar este tipo de produção, bem como tirar proveito “sal fora-da-lei” que estava sendo fabricado. O artigo da lei de Bombaim proibia o transporte de sal no exterior. A lei Indiana do Sal de 1882 incluía regulamentos de execução de um monopólio do governo sobre a recolha e produção de sal, e estabeleceu que o produto somente poderia ser fabricado e manuseado apenas em depósitos de sal oficial do governo, com taxas oficiais altas para tais atividades.


Efeitos do imposto sobre o sal sobre a saúde

O alto preço do sal tornou insustentável, resultando em uma série de doenças que surgem devido à deficiência de iodo.
Abhay Charan Das em obra publicada em 1881, escreveu:

“Em seguida, novamente há uma criatura ainda mais miserável, que leva o nome do trabalhador, cujo rendimento pode ser fixado em trinta e cinco rúpias por ano. Se ele, com sua esposa e três filhos, consome vinte e quatro porções de sal, deve pagar um imposto de sal de duas rupias e sete anas, ou em outras palavras, 7 ½ por cento do imposto de renda.. Agora vamos deixar para nossos leitores a julgar, se o ryots e os trabalhadores podem adquirir sal nas quantidades que eles necessitam. Podemos afirmar positivamente de nossa própria experiência, que um camponês comum nunca pode obter mais de dois terços do que ele exige, e que um trabalhador não mais de metade.
Em 1942, quando a Índia estava envolvida na Segunda Guerra Mundial, houve inúmeras mortes devido a deficiência de sal
Eu deveria fazer excursões especiais na Índia nos dias mais quentes (Junho) para observar os efeitos de calor em tais estações particularmente quentes [...]. A turnê de 1942 foi particularmente instrutiva, porque ela passou a ser uma temporada anormalmente quente (as temperaturas máximas de sombra nas estações acima foram entre 115 ° e 123 ° C. (46 ° C e 50,6 ° C) e porque nesse ano - o primeiro ano de guerra real para a Índia - não havia disposição sombra adequada para os homens, nem houve a realização geral da importância da ingestão extra de sal. Durante esta estação, houve 1.959 admissões hospitalares para os efeitos do calor e 136 mortes. Eu, pessoalmente, via 400 casos”
— Dr. - Dr. Marriott médico consultor, no Middlesex Hospital

Conclusões

As autoridades da Índia Britânica britânico não atenderam aos protestos massivos contra o imposto do sal que abalaram o país durante a década de 1930. A Marcha do Sal foi apenas parcialmente bem-sucedida, pois, apesar de forçarem os governantes britânicos forçados a vir para a mesa de discussão do imposto, este não foi eliminado. Foi apenas em 6/04/1946 que Mahatma Gandhi fez um pedido formal a Sir Archibald Rowlands, membro da Comissão Executiva de finanças do vice-rei para retirar o imposto, considerado opressivo. Rowlands formalmente ordenou, então, que fosse abolido imposto sobre o sal, mas a ordem foi vetada pelo vice-rei. O imposto sobre o sal continuou a ser cobrado até outubro de 1946, quando foi abolido pelo Governo Provisório da Índia, liderado por Jawahallal Neru.

Texto com base nos artigos online:

1. Mohinder Singh. " The Story of Salt " . http://www.mkgandhi.org/articles/the%20story%20of%20Salt.htm . Obtido 2008-05-09.
2. " The Salt Tax, Excerpted from The Great Hedge of India by Roy Moxham, Harper Collins, India 2001 " . http://iref.homestead.com/files/Salt.htm . Obtido 2008-05-08.
3. Kulke, Hermann; Dietmar Rothermund (2004). A History of India . pp. 290 . http://books.google.co.in/books?id=V73N8js5ZgAC&pg=PT290&dq=british+salt+tax&as_brr=3&sig=gScw3czHTkytpPkAr9UlGIycTF4#PPT290,M1.
4. Gandhi; Anthony Parel (1997). Hind Swaraj and Other Writings . Hind Swaraj e Outros Escritos. Cambridge University Press. Cambridge University Press. pp. 20.
5. " SALT MONOPOLIES 1.India " . http://salt.org.il/india.html. Obtido 2008-05-09.
6. Romesh C. Dutt (2001). “The Economic History of India in the Victorian Age http://books.google.co.in/books?id=j4tH9Mw92SAC&pg=PA149&dq=british+salt+tax+india&sig=WPsGuEZcwFwin7IBVV4zLaKS4B8#PPA149,M1 . Obtido 2008-05-09.

3 comentários:

Nanael Soubaim disse...

Isto explica muito da Índia contemporânea, e estou certo de que o clero deturpador de vedas (na época) estava atolado até o pescoço com esses esquemas. Isto me leva a crêr que a independência do Paquistão foi apenas um pretexto perfeito para matarem (ou facilitarem que matassem) Ghandi.

Juliano Carvalho Bueno disse...

Aê professora Adriane!!! Nota 10 pelo blog...se tiver um tempinho...também acesse:FEUDALISMOATUAL.BLOGSPOT.COM Ok!!! Sucesso sempre!!!

Adriane Schroeder disse...

Obrigada, Nanael!
Juliano, vou olhar e favoritar também.
:)