segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Carta à Rainha Vitória (Guerras do ópio)

Segue uma tradução prévia da Carta à Rainha Vitória enviada pelo Alto Comissário Lin (ver post anterior). Aceito sugestões a qualquer tempo para aperfeiçoá-la.

Sobre esta, foi feita uma análise pelos acadêmicos, das quais uma amostra será publicada em seguida.

Comissário Lin: Carta à Rainha Vitória, 1839

(*) Trechos entre colchetes indicam omissões ou inserção de trechos para facilitar a compreensão do documento.

Lin, alto comissário imperial, [...] declara conjuntamente resolver [tornar] esta expedição pública para a rainha da Inglaterra com a finalidade de dar-lhe informações claras e distintas sobre o estado de coisas [...].

É nosso único imperador, grande e poderoso, que tanto apóia e valoriza as terras do interior e aquelas de além dos mares, que olha para toda a humanidade com benevolência igual. [É ele, acreditando] que, se uma fonte de lucro existe em qualquer lugar, deve difundir-se por todo o mundo e que, se a árvore do mal tem raiz em qualquer lugar, deve arrancá-la para o benefício de todas as nações. É ele que, em uma palavra, tem implantado em seu peito o coração (por benevolência da própria natureza) o qual governa os céus e a terra!

A Vós, que sois a rainha de sua digna nação, que sentais em um trono ocupado através de sucessivas gerações de antecessores, os quais ali foram acondicionados com respeito e obediência. Olhando para os documentos públicos que acompanham a homenagem enviada (por seus antecessores), em várias ocasiões, encontramos o seguinte: "Todas as pessoas do meu país, chegando à Terra Central [nome oficial do império da China] para fins de comércio, têm de se sentir gratas ao Grande Imperador para a justiça mais perfeita, para o gentil tratamento", e outras palavras do mesmo feitio Sentimo-nos encantados, pois eis que os reis de vossa nação honrosa tão claramente têm compreendido os grandes princípios da decência, e eram tão profundamente gratos pela bondade celeste [do nosso imperado]:— portanto, era [justo] que nós, da dinastia celeste, nutríssemos estima por vosso povo de longe, e déssemos redobradas provas de nossa urbanidade e gentileza. É apenas a partir dessas circunstâncias, que a vosso país — tendo agora imensa vantagem decorrente da sua relação comercial conosco, que passamos já de duzentos anos —, o qual se tornou reino rico e próspero, que expressamos o que está a ser dito!

Mas, durante o intercâmbio comercial que já existe há tanto tempo, entre os numerosos comerciantes estrangeiros que recorrem para cá, há o trigo e o joio, bons e maus, e estes últimos são alguns que, por meio da introdução de ópio, ardilosamente têm seduzido nossos súditos chineses, o qual fez todas as províncias do país transbordarem com o veneno. Este é um princípio que à Divina Providência é repugnante, e que a humanidade conjuntamente olha com horror! Também o Grande Imperador tem ouvido tais fatos que, na verdade o fizeram tremer de indignação e, especialmente, me mandou, o comissário, a Cantão, que em conjunto com o vice-rei e Tenente-governador da província, os meios que possam ser tomadas para repressão [deste mal]!

Todos os nativos dessa terra, que vende ópio, como também todos os que fumam, são semelhantemente julgados à morte. Pudéssemos nós voltar e assumir os crimes dos estrangeiros, que, ao vendê-lo por muitos anos, tendo induzido calamidade terrível e nos roubado de enorme riqueza, e [então] puni-los com a mesma severidade, as nossas leis não poderiam deixar de condená-los à absoluta aniquilação! Assim, considerando que esses estrangeiros que ainda não alegaram se arrepender de seus crimes, e com um coração sincero implorar por misericórdia, eis que 20.283 caixas de ópio foram pilhados da loja de importados, através de Elliot, o superintendente do comércio de vosso país, solicitou que fossem entregue a nós, quando as mesmas foram totalmente destruídas. Deste fato que nós, o comissário imperial e demais funcionários, fizemos um memorial devidamente preparado para sua majestade; — considerando essas circunstâncias, temos recebido com alegria uma nova prova da bondade extraordinária do Grande Imperador, na medida em que, voluntariamente, ele se põe à frente [da questão], e entende que ainda pode ser considerado um tema adequado para misericórdia, e os seus crimes sejam graciosamente perdoados. Ele ou eles devem ser igualmente condenados às penas da nova lei.

Presumimos que Vós, a soberana de sua digna nação, a derramar vosso coração diante do altar da justiça eterna, não pode deixar de comandar todos os estrangeiros com o mais profundo respeito a reverenciar as nossas leis! Se nós tão somente colocarmos claramente diante de seus olhos o que é rentável e o que é destrutivo, então Vós ireis saber que os estatutos da dinastia celeste não podem deixar de ser obedecidos, com temor e tremor!

Achamos que vosso país está distante de nós cerca de sessenta ou setenta mil milhas, que vossos navios vêm para cá a lutar um com o outro pelo nosso comércio, e pela simples razão de seu forte desejo de obter lucro. Agora, fora a riqueza de nosso país, se tomarmos uma parte para outorgar a longínquos estrangeiros, segue-se, que a imensa riqueza que tais estrangeiros venham a acumular deveria esta pertencer a nosso próprio povo. Por que princípio da razão, então, deve enviar esses estrangeiros em troca de uma droga venenosa, o que implica na destruição dos milhares de nativos da China? Não é nossa intenção afirmar que os estrangeiros portam tais intenções destrutivas em seu coração, mas nós podemos, contudo, afirmar positivamente que, a partir de sua sede excessiva, após obter o lucro, eles em nada se preocupam sobre os danos que nos infligem! E como sendo o caso, gostaria de perguntar: o que aconteceu com a consciência que do céu foi implantado no peito de todos os homens?

Ouvimos dizer que no seu próprio país, o ópio é proibido com o máximo rigor e severidade: — esta é uma forte prova de que Vós sabeis muito bem como é prejudicial para a humanidade. Desde então Vós, que não permitis que ele venha a ferir o vosso país, não deveríeis ter a transferido droga prejudicial para outro país e, acima de todos os outros, muito menos para a China! Dos produtos que a China exporta para o exterior, não há um que não seja benéfico para a humanidade de uma forma ou outra. Tem China (gostaríamos de perguntar) acaso enviado um único artigo nocivo do seu solo? Para não falar do nosso chá e ruibarbo, coisas sem as quais o estrangeiro não poderia existir nem um único dia; se acaso nós, com rancor, negássemos o que é benéfico (não dizemos isso por querer vossa compaixão), então Vós poderíeis buscar meios para ainda existir?

E mais, no que diz respeito a sua lã, chamalotes e outros tecidos, se não fosse a Vós fornecidos os nossos tecidos nativos de seda crua, Vós nem ao menos poderíeis começar a procuzir tais tecidos! Nossos demais artigos alimentícios, como açúcar, gengibre, canela, etc, e os nossos outros artigos de uso, como o pedaço de seda, produtos, louças, etc, são todos de primeira necessidade para a vida de muitos de vossos filhos, a ponto de jamais conseguirmos contar quantos! Por outro lado, as coisas que vêm de seus países só servem para fazer presentes, ou para mera diversão. É exatamente o mesmo para nós se os tivermos ou não. Se, então, estes são de nenhuma conseqüência material para nós, porque nos seria difícil proibir e fechar o nosso mercado para eles?

A razão porque a nossa dinastia celeste livremente permite-vos tirar o chá, a seda e outros produtos, e encaminhá-las para o consumo em toda parte, sem a menor restrição ou rancor, não é por outro motivo, senão ser nosso desejo de, quando um lucro existir, que seja este difundido no exterior para o benefício de toda a terra!

Vossa honrosa nação tira o produto da nossa terra, e não somente Vós, assim, podeis obter alimento e suporte para vós mesmos, mas por outro lado, por voltar a vender esses produtos para outros países, Vós colheis um lucro triplo. Agora, se Vós deixásseis de vender somente o ópio, este lucro triplo ainda será garantido a Vós. Como podeis, então, querer renunciar tal lucro [benéfico] por um medicamento que é prejudicial aos homens, numa ânsia desenfreada pro lucros que parece não conhecer limites? Vamos supor que os estrangeiros viessem a vós, trouxessem de ópio à Inglaterra e seduzissem o povo de vosso país para fumá-lo, Vós não iríeis, como soberana do país em questão, olhar para tal procedimento com ira, e na sua justa indignação efetuar todo esforço para se livrar dele?

Agora temos sempre ouvido dizer que Vossa Alteza possui um coração bondoso e benevolente, então certamente Vós sois incapaz de fazer ou inflingir a outro aquilo que Vós não quereis mais que vos seja feitos! Temos, ao mesmo tempo, ouvido dizer que vossos navios que vêm para Cantão é, cada um deles, portador de um documento concedido pro Vossa Alteza, em que estão escritas estas palavras: "A vós não será permitido o transporte de mercadorias contrabandeadas,"; isso mostra que as leis de Sua Alteza são, na sua origem, tanto distintos quanto severos. Assim, só podemos supor que, porque os navios os quais chegam aqui têm sido muito numerosos, não tem sido dada a devida atenção à pesquisa e análise destes. É por esta razão nós agora endereçamos este documento público, a fim de que Vós possais saber claramente como severas e graves são as leis da dinastia da Terra Central [interior da China], e certamente Vós fareis com que elas não sejam mais violadas precipitadamente!

Além disso, ouvimos dizer que em Londres, a metrópole onde habitam, como também na Escócia, Irlanda e outros lugares, o ópio não é produzido. É apenas em diversas partes de seu reino colonial do Hindustão [parte da Índia], como Bengala, Madras, Bombaim, Patna, Malwa, Benares, Malaca, e outros lugares onde as montanhas são cobertas com a planta do ópio, onde os tanques são feitos para a preparação da droga; mês a mês, e ano após ano, o volume de veneno tem aumentado, o seu fedor imundo ascende, até que o céu se volte com raiva, e os deuses vos observem muito indignados! Porque a terra há de ser limpa de novo, e semear em seu lugar o cinco grãos [refere-se a arroz e outros cereais considerados puros], e se alguém ousar novamente plantar um só pé de papoula, que vós possais conferir a seu crime com a punição mais severa. Através de uma atitude governamental verdadeiramente benevolente esta, Vós ireis ter verdadeiro ganho, e acabar com uma fonte do mal. O céu irá apoiá-la, e os deuses irão vos coroar de felicidade! Para vós ficará si a bênção de vida longa, e desta procederão a segurança e a estabilidade de vossos descendentes!

Em referência aos mercadores estrangeiros que vêm à nossa terra, a comida que eles comem, e as moradias que lhes dizem respeito, tudo procede inteiramente da bondade de nossa dinastia celeste: os lucros que eles colhem, e as fortunas que se acumulam, têm sua origem apenas na medida em que parte do benefício que a nossa dinastia celeste gentilmente lhes atribui-lhes. Como estes passam a menor parte do seu tempo em seu país, e a maior parte no nosso, seguimos um costume advindo tanto dos tempos antigos como dos modernos segundo o qual devemos conjuntamente admoestar e, claramente, tornar conhecidos o castigo que os espera.

Suponde [soberana,] que o destino de outro país seria vir para a Inglaterra para o comércio, ele certamente seria obrigado a respeitar as leis da Inglaterra. Então quanto mais isso se aplica a nós do império celestial! Agora é um estatuto fixo deste império, que qualquer nativo chinês que venda o ópio é punido com a morte, e até mesmo aquele que só o fumam, não deve ser menos punido. Parar e refletir por um momento: se os estrangeiros não trouxessem o ópio para cá, onde o nosso povo chinês iria obtê-lo para voltar a vender? E, ainda, os estrangeiros que envolvem os nossos nativos simples no poço da morte, poderão [de seu crime] apenas eles escapar vivos? Se tanto como um daqueles privar que um do nosso povo de sua vida, deverá perder a sua vida em retribuição pelo que ele tomou, quanto mais isso se aplica a quem, por meio de ópio, destrói seus semelhantes? Será que o caos que ele comete [pode continuar a] parar com uma única vida? Por isso é que os estrangeiros que agora importam ópio na Terra Central estão condenados a ser decapitados e estrangulados pelo novo estatuto, o que explica o que dissemos no início cerca de arrancar a árvore do mal, onde quer que se enraíze, para o benefício de todas as nações.

Tivemos ainda que encontrar, durante o segundo mês do presente ano, o superintendente do vosso honroso país, Elliot. Este, vendo a lei em relação à proibição do ópio como excessivamente grave, devidamente pediu-nos "uma extensão do prazo já limitado, dizem cinco meses para o Hindustão e as diferentes partes da Índia, e dez para a Inglaterra, depois do que eles iriam obedecer e agir em conformidade com o novo estatuto", e outras palavras para o mesmo efeito. Agora nós, o Alto Comissário e colegas, após fazermos um memorial devidamente preparado para o grande imperador, temos de nos sentir grato por sua bondade extraordinária, por sua compaixão redobrada. Qualquer um que no próximo ano e meio por engano vier a trazer ópio para este país, e vier a se apresentar voluntariamente, e entregar toda a quantidade, será absolvido de toda e qualquer punição por seu crime. Se, no entanto, o termo designado houver expirado, e ainda haver pessoas que continuam a trazê-lo, então, devem tais pessoas ser enquadradas como tendo conscientemente violando as leis, e serão com toda a certeza condenadas à morte! Em nenhuma circunstância devemos mostrar misericórdia ou clemência! Isso então pode ser chamado verdadeiramente ao extremo de benevolência, e muito mais de perfeição da justiça!

A maioria certamente possui uma medida de divina majestade que não podeis imaginar! Porém não podemos matar ou exterminar sem aviso prévio, e é por essa razão que nós agora claramente vos damos a conhecer as leis fixas da nossa terra. Se os comerciantes estrangeiros dissessem que o desejo do vosso honroso país é para continuar suas relações comerciais, então eles devem obedecer, tremendo, nossos estatutos registrados. Eles devem cortar para sempre a fonte da qual os fluxos de ópio, e de modo algum, querer experimentar [o rigor] de nossas leis em si mesmos! Vamos então [levar] a sua alteza [para] punir os assuntos que possam ser de natureza criminal, em vez de se esforçar para projetá-los ou escondê-los, e assim Vós ireis assegurar a paz e a tranqüilidade de vossos bens, assim Vós tereis, mais do que nunca, mostrado um bom senso de respeito e obediência, e, assim, unidos podemos desfrutar das bênçãos comum de paz e felicidade. Que grande alegria! Que felicidade mais completa poderá ser!

Possa Vossa Alteza, imediatamente após o recebimento desta comunicação, não deixe de informar-nos rapidamente do estado de coisas, e da medida que Vós estiverdes buscando totalmente para pôr fim ao mal do ópio. De forma alguma venha [Vosso país] encontrar desculpas ou procrastinar. A comunicação [deve ser] o mais importante.

PS: anexo um resumo da nova lei, agora prestes a ser posta em vigor.

"Qualquer estrangeiro, ou estrangeiros, trazendo ópio para a Terra Central, com projeto de vendê-lo, [saiba que] seus líderes serão seguramente decapitados, e os ajudantes estrangulados, e de todos os bens (que se encontrarem a bordo do dito navio) devem ser confiscados. O espaço da um ano e meio é concedido, dentro do qual, se houver ópio trazendo por engano, [quem o houver trazido] e, voluntariamente dar passo em frente e entregá-lo a nossos superiores, este deve ser absolvido de todas as conseqüências de seu crime.”

Tal édito imperial foi recebido no dia 9 do mês 6 do ano 19 de Taoukwang, no qual o período de graça [ou seja, o espaço de tempo acima mencionado] começa, e vai até o dia 9 do 12 º mês do ano 20 de Taoukwang, quando é concluído.


Source: Fonte:

Chinese Repository, Vol. 8 (February 1840), pp. 497-503; reprinted in William H. McNeil and Mitsuko Iriye, eds., Modern Asia and Africa, Readings in World History Vol. 9, (New York: Oxford University Press, 1971), pp. 111-118.© Paul Halsall, October 1998 http://www.fordham.edu/halsall/mod/1839lin2.html

2 comentários:

Nanael Soubaim disse...

Algumas cousas ficam patentes da cultura chinesa, como o hábito de dar ordens expressas sob a aparência de um pedido delicado, além de exaltar seu próprio orgulho sob as vestes de humildade. Toda a corte britânica deve ter ficado confusa com a contrução das sentenças, os orientais (o texto é claro) fazem pouca ou nenhuma distinção entre um texto oficial e a linguagem poética. Aconselho que dê este artigo para pessoas próximas lerem, mas não para o típico aluno secundarista/universitário da actualidade, aquelas vão saber apreciar, talvez até valha a montagem de um monólogo a respeito.

Adriane Schroeder disse...

A polidez não esconde o orgulho, mas este foi em seguida tão destroçado pela sanha orienta...